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A composição plena do Tribunal Superior do Trabalho concluiu que é imprescindível a participação tanto do prestador quanto do tomador de serviços nas relações processuais em que se discute a validade da terceirização. Essa foi a conclusão do Tema n.º 18 dos Incidentes de Recursos Repetitivos:

Incidente de Recursos Repetitivos. Tema nº 0018. Definição da espécie e dos efeitos jurídicos do litisconsórcio passivo nos casos de lide acerca da licitude da terceirização de serviços em atividade-fim. O Tribunal Pleno, em sede de incidente de recurso repetitivo, analisando a questão acerca das características e consequências jurídicas do litisconsórcio passivo nos processos em que se debate a licitude da terceirização de serviços em atividade-fim, em virtude do efeito vinculante da interpretação fixada pelo Supremo Tribunal Federal (artigo 102, § 2º, da Constituição Federal), no julgamento da ADPF nº 324 e do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 958.252, decidiu, por maioria, sem modulação de efeitos, aprovar as seguintes teses jurídicas para o Tema Repetitivo nº 0018: “1) Nos casos de lides decorrentes da alegação de fraude, sob o fundamento de ilicitude da terceirização de atividade-fim, o litisconsórcio passivo é necessário e unitário. Necessário, porque é manifesto o interesse jurídico da empresa de terceirização em compor essas lides e defender seus interesses e posições, entre os quais a validade dos contratos de prestação de serviços terceirizados e, por conseguinte, dos próprios contratos de trabalho celebrados; Unitário, pois o juiz terá que resolver a lide de maneira uniforme para ambas as empresas, pois incindíveis, para efeito de análise de sua validade jurídica, os vínculos materiais constituídos entre os atores da relação triangular de terceirização. 2) A renúncia à pretensão formulada na ação não depende de anuência da parte contrária e pode ser requerida a qualquer tempo e grau de jurisdição; cumpre apenas ao magistrado averiguar se o advogado signatário da renúncia possui poderes para tanto e se o objeto envolve direitos disponíveis. Assim, é plenamente possível o pedido de homologação, ressalvando-se, porém, ao magistrado o exame da situação concreta, quando necessário preservar, por isonomia e segurança jurídica, os efeitos das decisões vinculantes (CF, art. 102, § 2º; art. 10, § 3º, da Lei 9.882/99) e obrigatórias (CPC, art. 927, I a V) proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, afastando-se manobras processuais lesivas ao postulado da boa-fé processual (CPC, art. 80, I, V e VI). 2.1) Depois da homologação, parte autora não poderá deduzir pretensão contra quaisquer das empresas – prestadora-contratada e tomadora-contratante – com suporte na ilicitude da terceirização da atividade-fim (causa de pedir). 2.2) O ato homologatório, uma vez praticado, acarreta a extinção do processo e, por ficção legal, resolve o mérito da causa (artigo 487, III, “c”, do CPC), produz coisa julgada material, atinge a relação jurídica que deu origem ao processo, somente é passível de desconstituição por ação rescisória (CPC, arts. 525, § 15, 535, § 8º, e 966) ou ainda pela via da impugnação à execução (CPC, art. 525, §12) ou dos embargos à execução (CPC, art. 535, § 5º) e acarretará a perda do interesse jurídico no exame do recurso pendente de julgamento. 3) Em sede de mudança de entendimento desta Corte, por força da unitariedade imposta pela decisão do STF (“superação abrupta”), a ausência de prejuízo decorrente da falta de sucumbência cede espaço para a impossibilidade de reconhecimento da ilicitude da terceirização. Sendo assim, como litisconsorte necessário, a empresa prestadora que, apesar de figurar no polo passivo, não sofreu condenação, possui interesse em recorrer da decisão que reconheceu o vínculo de emprego entre a parte autora e a empresa tomadora dos serviços. 4) Diante da existência de litisconsórcio necessário e unitário, a decisão obrigatoriamente produzirá idênticos efeitos para as empresas prestadora e tomadora dos serviços no plano do direito material. Logo, a decisão em sede de juízo de retratação, mesmo quando apenas uma das rés interpôs o recurso extraordinário, alcançará os litisconsortes de maneira idêntica.” Vencidos parcialmente os Ministros Cláudio Mascarenhas Brandão, relator, Breno Medeiros, Alberto Bastos Balazeiro, Augusto César Leite de Carvalho, Lelio Bentes Corrêa, Mauricio Godinho Delgado, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann e Alexandre de Souza Agra Belmonte e as Ministras Maria Helena Mallmann e Delaíde Alves Miranda Arantes. TSTIncJulgRREmbRep-1000-71.2012.5.06.0018, Tribunal Pleno, red. p/ acórdão Min. Douglas Alencar Rodrigues, 22/2/2022.

Em resumo, o TST reafirmou a impossibilidade de vínculo direto nos casos de terceirização e acrescentou que essa impossibilidade pode ser suscitada mesmo após o trânsito em julgado da decisão condenatória, nos embargos à execução, pela inexigibilidade do título executivo “inconstitucional” (art. 525, § 12, e art. 535,§ 5º, do CPC).

Esse entendimento fulmina a corrente jurisprudencial majoritária na 4ª região da Justiça do Trabalho, no sentido de que o litisconsórcio não seria necessário e nem unitário e de que o processo poderia ser ajuizado apenas contra o tomador dos serviços, como pode ser percebido nos seguintes precedentes:

EMENTA PRESTADORA DE SERVIÇOS. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM AS TOMADORAS DOS SERVIÇOS PRESTADOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INOCORRÊNCIA . Situação em que não se verifica litisconsórcio passivo necessário, uma vez que não há dispositivo de lei determinando a presença da prestadora de serviços em ações que visam a declaração do vínculo de emprego diretamente com a tomadora dos serviços. Do mesmo modo, a eficácia da sentença não depende da citação da empresa prestadora de serviços, uma vez que nenhum dos pedidos formulados na petição inicial se dirige a tal empresa (SADE). Recurso ordinário interposto pelo reclamante a que se dá provimento parcial. (TRT da 4ª Região, 9ª Turma, 0021028-61.2014.5.04.0013 ROT, em 31/03/2017, Desembargador Joao Alfredo Borges Antunes de Miranda)

EMENTA EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM A TOMADORA DE SERVIÇOS. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DA PRESTADORA DE SERVIÇOS NO POLO PASSIVO. A não inclusão da prestadora de serviços no polo passivo da demanda não enseja a extinção do feito sem resolução de mérito, em que a parte autora busca o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a tomadora de serviços. A existência de relação de emprego entre as partes depende da análise do mérito e como tal deve ser apreciada, levando à procedência ou improcedência da ação, cabendo à parte autora eleger contra quem deseja demandar, tanto mais quando a prestação de serviços antecede a inclusão da prestadora de serviços na contratação. Hipótese que não configura litisconsórcio passivo originário necessário. (TRT da 4ª Região, 3ª Turma, 0021050-22.2014.5.04.0013 ROT, em 25/11/2015, Desembargadora Maria Madalena Telesca)

Em um caso de 2013, inclusive, o Desembargador João Alfredo Borges Antunes de Miranda havia proferido voto mantendo  e transcrevendo a decisão de primeiro grau, que havia extinguido o processo sem resolução do mérito, por conta da resistência do autor em cumprir a determinação de inclusão da prestadora de serviços no polo passivo:

DA EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.

O reclamante não se conforma com a decisão proferida pelo Juízo de origem que extinguiu o processo sem resolução de mérito, por inépcia da inicial, com base nos artigos 47, parágrafo único, e 267, inciso IV, do CPC. Observa que pretende o reconhecimento do vínculo de emprego com a reclamada OI S/A, bem como o pagamento das diferenças salariais entre o que receberia desta empresa e os valores pagos pela empresa ARM. Afirma que não se faz necessária a inclusão da empregadora formal no polo passivo da relação processual. Argumenta que a ausência da empresa ARM não impede a apreciação do pedido formulado em torno da existência de vínculo de emprego com a reclamada Oi S/A. Invocando a Súmula nº 331, item I, do TST e considerando que são nulos todos os atos que visam a desvirtuar, impedir ou fraudar os preceitos contidos na CLT, entende que não cabe reconhecer válida e eficaz a relação formal estabelecida com a empresa Arm. Diz que esta relação já nasceu nula. Quanto à necessidade de litisconsórcio necessário, em face da juntada de documentos, ressalta que o Decreto nº 3.048/1999 (artigo 219, parágrafos 4º a 6º) prevê a guarda de documentos pela tomadora de serviços. Requer o retorno dos autos à origem para prosseguimento regular do processo. Transcreve jurisprudência sobre a matéria.

A decisão foi proferida nos seguintes termos (fl. 101/101v):

Vistos etc.

Trata-se de reclamação trabalhista na qual o autor, contratado formalmente pela empresa IRLA, postula declaração da existência de relação de emprego com a tomadora dos serviços, OI S/A, sem requerer a nulidade do contrato de trabalho mantido com a empregadora formal.

Em audiência inicial, por ter sido considerado ser o caso de litisconsórcio necessário, foi determinado que o autor emendasse a petição inicial (fl. 92), sob pena de indeferimento.

O autor requereu a reconsideração da determinação, ao argumento de `que a contratação de empregado mediante terceirização de atividade fim é nula conforme artigo 9º da CLT, não havendo necessidade de pedido de declaração expressa do mesmo.´.

No caso, o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego diretamente com a empresa OI S/A demonstra que a questão envolve a validade da relação que se formou entre o autor, a prestadora e a tomadora dos serviços, bem como a necessidade de a empregadora formal ser chamada a integrar o polo passivo da lide, a fim de que o contrato de trabalho firmado com o autor possa ser declarado nulo, se for o caso.

Dispõe o artigo 47 do CPC que:

`Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo´.

Ainda que o autor não a postule, a presença do prestador de serviços não é facultativa, mas obrigatória, sendo efetivamente o caso de litisconsórcio passivo necessário.

Nesse sentido, a ementa da decisão unânime da Sexta Turma do e. Tribunal Superior do Trabalho:

RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO. PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE EMPREGO COM A EMPRESA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DIRETAMENTE COM A TOMADORA. EMPRESAS PRESTADORA E TOMADORA DOS SERVIÇOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. (…)

2. A reclamação foi ajuizada apenas contra a empresa tomadora dos serviços, e discute-se a necessidade de integração à lide da empresa prestadora de serviços, empregadora formal. (…)

4. Sob o enfoque do art. 47 do CPC, impõe-se o reconhecimento do litisconsórcio passivo necessário, caso se discuta a ocorrência de fraude na terceirização dos serviços, pois a questão envolve a relação trilateral que se formou entre empregado, empresa tomadora e empresa prestadora de serviços. (…)

5. Finalmente, na terceirização, se apenas o tomador de serviços é acionado, ficará prejudicada sua possibilidade de defesa de mérito, pois quem normalmente possui toda a documentação referente ao contrato de trabalho é a empresa prestadora, abrindo-se vasta margem ao conluio entre as partes e a utilização do processo para fins ilícitos.

6. Ainda que o reclamante não requeira ou se oponha ao litisconsórcio, o juiz deverá determinar de ofício a notificação da empresa prestadora dos serviços. (TST-RR-642-85.2011.5.06.0004, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, julgado em 06/02/2013).

Desse modo, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, por inépcia da inicial, com base nos artigos 47, parágrafo único, e 267, IV, do CPC.

Custas de R$ 560,00 pelo autor e dispensadas.

Intimem-se.

Em 30/07/2013.

Trata-se de ação trabalhista ajuizada, em 13-06-2013, por Luiz Cláudio Pereira do Nascimento contra a Oi S/A. O reclamante disse que trabalha para esta empresa desde 01-04-2010, sendo que o seu contrato de trabalho permanece em vigor, onde exerce atividades de IRLA (Instalador e Reparador de Linhas e Aparelhos), mediante remuneração básica de R$ 578,00. Afirmou que sempre trabalhou em favor da reclamada OI S/A, por intermédio de empresa terceirizada (ARM Engenharia), caracterizando em fraude a terceirização de serviços que se enquadram na atividade fim da tomadora. Requereu, além do reconhecimento de vínculo de emprego (e respectiva anotação da CTPS), o pagamento das diferenças salariais daí resultantes com base nas normas coletivas de trabalho aplicáveis ao pessoal da Oi.

Em audiência realizada no dia 17-07-2013 (ata – fl. 92), o Juízo de origem considerou necessário um pedido de nulidade da relação de emprego mantida com a empresa terceirizada, havendo litisconsórcio necessário, nos termos do precedente da Ministra Kátia Magalhães Arruda (TST-RR-642-85.2011.5.06.0004), devendo ser emendada a inicial em 10 dias, sob pena de indeferimento. Determinou que, emendada a inicial, notifique-se a prestadora de serviços. A tomadora de serviços deverá tomar ciência da emenda independente de notificação.

Note-se que o autor, em audiência, não se insurgiu contra tal determinação. Porém, também não emendou a inicial no prazo fixado. Em 22-07-2013 (fls. 97/100), pediu a reconsideração do despacho, haja vista não vislumbrar a necessidade de litisconsórcio necessário, em conformidade com a jurisprudência por ele colacionada. Não há como negar a preclusão operada em audiência, ocasião em que o reclamante, como visto, não se insurgiu contra a determinação de emenda à inicial que lhe foi dirigida, admitindo, pois, ainda que implicitamente, a necessidade de inclusão da prestadora de serviços.

De qualquer modo, ainda que assim não fosse, não há como ser atribuída outra solução à controvérsia.

Muito embora não fosse necessária a formulação de pedido expresso de nulidade da relação de emprego mantida com a empresa terceirizada, bastando para tanto aquela alegação do autor, na inicial, de que sempre trabalhou em favor da reclamada Oi, por intermédio de empresa terceirizada, caracterizando em fraude a terceirização de serviços que se enquadram na atividade fim da tomadora, tal circunstância, contudo, não dispensava a inclusão da empresa Arm no polo passivo da relação processual.

O reclamante busca o reconhecimento do vínculo de emprego com a tomadora Oi S/A, a fim de que lhe reste assegurado o mesmo tratamento dispensado por esta empresa aos empregados por ela contratados de forma direta, especificamente, aqueles previstos em suas normas coletivas de trabalho. É verdade que o autor não alega o descumprimento contratual por parte da prestadora de serviço, não buscando qualquer verba com base no ajuste com esta fixado, todavia, não se pode desconsiderar que eventual reconhecimento de vínculo de emprego com a Oi S/A estaria condicionado a prévia declaração de nulidade do contrato de trabalho ainda vigente entre o trabalhador e a prestadora de serviços.

Em outras palavras, não há dúvida de que o acolhimento da pretensão do autor afetaria a relação jurídica ainda mantida com a prestadora de serviços (não há notícia da extinção contratual), ou seja, atingiria a esfera jurídica de terceira pessoa (ou seja, não incluída na ação), mais especificamente a empresa com a qual celebrou o contrato de trabalho noticiado na inicial e por meio do qual ainda permanece trabalhando em favor da reclamada Oi.

Segundo o artigo 47 do CPC, há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Assim, porque eventual de declaração de fraude e nulidade do contrato de trabalho ao qual o reclamante se encontra vinculado atingiria relação jurídica de terceiro (prestadora de serviços), impõe-se, por força do referido preceito legal, a confirmação da decisão proferida pelo Juízo de origem que reconheceu obrigatório o litisconsórcio passivo necessário.

Nega-se provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamante. Prejudicadas, em consequência, as preliminares de inépcia da petição inicial e ilegitimidade passiva ad causam arguidas em contrarrazões.

Como visto, este articulista tinha razão nas decisões em que considerava necessário o litisconsórcio entre a prestadora e a tomadora dos serviços.

Guilherme da Rocha Zambrano

Guilherme da Rocha Zambrano

Juiz da 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre/RS e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Criador e Professor da E-scola Trabalhista e autor do livro Cálculo Trabalhista Simplificado.