Republicanização dos Cartórios a partir do Império do Brasil

Segunda parte do estudo sobre Concursos Públicos de Cartório, com análise detalhada sobre as notáveis evoluções republicanas iiniciadas no séxulo XIX, a partri da Monarquia Constitucional do Brasil.

Guilherme da Rocha Zambrano

Introdução

Por mais contraditório que possa parecer, o Império (Monarquia Constitucional) introduziu importantes conceitos republicanos contra a propriedade dos Ofícios da Fazenda e da Justiça e a seleção das pessoas que exerceriam tais Ofícios.

Durante esta segunda parte do estudo, é possível se empolgar e ousar afirmar que a nossa tradição de Concurso Público para Cartórios já possui quase duzentos anos, mas, como será visto na terceira parte, tratar-se -ia de um ledo engano.

Em todo caso, é justo ficar orgulhoso do período imperial, que estabeleceu bases evoluídas, até então nunca vistas em nossa legislação, que só bem recentemente foi possível alcançar novamente.

Proibição da Propriedade de Ofícios

Logo após a Independência do Brasil, uma das primeiras providências foi a ratificação da legislação portuguesa vigente, mas, em seguida, foi proibido que os ofícios da Justiça ou da Fazenda fossem conferidos a título de propriedade, pelo art. 1º da Lei de 11 de outubro de 1827, embora essa proibição não tenha extinguido as propriedades de ofícios que já tinham sido conferidas (2º), fosse por donatários das Capitanias Hereditárias ou por mercê real.

Entretanto, mesmo com a preservação das propriedades conferidas não seria possível a designação de mais de um substituto, que deveria pagar 1/3 da renda do ofício ao “proprietário”, em caso de inabilitação do “proprietário” (arts. 4º a 6º), de modo que, pelo menos aparentemente, a “propriedade do ofício” seria extinta tanto com a morte do proprietário quanto do substituto por ele designado.

A Lei de 15 de outubro de 1827 criou o ofício de Juiz de Paz, eleito da mesma forma que os Vereadores, junto ao qual funcionava o ofício do Escrivão de Paz, nomeado e juramentado pela Câmara de Vereadores para cada freguesia ou lugar que tivesse uma capela curada (que tinha um pároco ou um “cura” regular para a celebração das missas), sendo que esse Escrivão de Paz tinha também atribuição notarial (ou seja, acumulava as duas funções, de Tabelião do Juízo e de Tabelião de Notas, previstas nas Ordenações).

Portanto, a exigência para a nomeação feita pela Câmara de Vereadores deveria ser bem escassa, além do juramento, mas, por lógica, seria necessário, ao menos, saber ler e escrever (e até a segunda metade do século XIX isso nem era exigido dos Juízes de Paz).

Como visto, era atribuição da Câmara de Vereadores a escolha do Escrivão de Paz, que era o Tabelião de Notas local e que tinha sido criado por Lei Nacional em cada freguesia ou ou localidade onde houvesse uma capela curada.

Assim, pode ser percebido que ainda não se sabia com precisão quanto “ofícios” existiam ou estavam sendo criados e esse problema ainda perdura e continua criando grande dificuldade para ordenar as datas de vacâncias e de criação de cartórios nas listas dos concursos públicos.

A Lei de 15 de novembro de 1827 criou mais um Tabelião de Notas na cidade da Bahia (Salvador), além dos já então existentes (no plural, portanto já havia mais de um, mas a quantia exata ainda é desconhecida), a quem foi atribuída a atribuição de Protesto das Letras Comerciais, extensiva a todos os demais Tabeliães de Notas de todo o Brasil.

Entretanto, conforme o sistema Justiça Aberta do Conselho Nacional de Justiça, o Primeiro Tabelionato de Notas de Salvador foi criado somente em 1903 (ele está unido ao Sétimo, a cuja data de criação o sistema provavelmente alude), enquanto o segundo teria sido criado (ou talvez instalado) em 1836.

Já o Primeiro Tabelionato de Protestos de Salvador teria sido criado em 1915, o Primeiro Registro de Imóveis em 1866 e o Primeiro Registro de Pessoas Naturais em 1877.

Ou seja, o Ofício então criado por aquela Lei de 1827 e os que já existiam e são nela mencionados parecem ter ficado vagos e desaparecido com o tempo, até porque já havia quatro ofícios notariais no Rio de Janeiro desde 1655 (vide a obra de Deoclécio Leite de Macedo) e, nessa época, a capital do Brasil ainda era Salvador (que, em tese, deveria ter maior atividade política e econômica e, portanto, mais ofícios notariais).

O Decreto de 1º de Julho de 1830 determinou que os Ofícios de Justiça vagos deviam ser providos temporariamente pelos Magistrados perante quem houvessem de servir e que devia ser dada imediata ciência ao Governo Imperial, “com circunstanciada, e documentada informação da idoneidade do provido, para prover-se a serventia vitalícia, ou nesse mesmo, ou em qualquer outro cidadão, que nomear o Poder Executivo.

Em 4 de outubro de 1831, a Lei determina rigoroso exame do estado então vigente da arrecadação e permite a demissão e a aposentadoria dos empregados da Fazenda que fossem reprovados por defeito físico ou moral ou apresentassem desleixo ou abuso no exercício das funções.

Tal exame parece ter sido o precursor do concurso público no Brasil, embora ainda não tratasse explicitamente do ingresso no serviço público, mas apenas da permanência ou de quem já estivesse nele empregado.

A Lei de 29/11/1832 (Código de Processo Criminal) reorganizou a Justiça Brasileira (inclusive Civil) e determinou que houvesse tantos Distritos de Paz “quantos forem marcados pelas respectivas Câmaras Municipais, contendo cada um pelo menos, setenta e cinco casas habitadas” (2º).

Em cada Distrito de Paz haveria um Escrivão (art. 4º) e os “Escrivães de Paz devem ser nomeados pelas Câmaras Municipais sob proposta dos Juízes de Paz d'entre as pessoas, que, além de bons costumes, e vinte e um annos de idade, tenham prática de processos, ou aptidão para adquiri-la facilmente” (art. 14).

Também foi eliminada a pena de nulidade para as escrituras por falta de distribuição (art. 26).

Nessa época (1832), havia mera preferência por bachareis em Direito para a nomeação dos Juízes Municipais, pois em muitos lugares não haveria quem cumprisse esse requisito, mas a exigência de alfabetização ainda não era nem sugerida para os Juízes (dos Distritos) de Paz.

O Decreto de 30/01/1834 criou dois Tabeliães, Público do Judicial e de Notas, em “cada uma das vilas ultimamente criadas nas diversas províncias do Império” (sendo que o primeiro era encarregado das execuções cíveis e crimes), em mais uma imprecisão difícil de contornar.

A Lei n.º 16 de 12 de Agosto de 1834 atribuiu às Assembleias Legislativas Provinciais a competência para legislar sobre a divisão judiciária de cada Província, de modo que a quantidade de comarcas, de termos e de distritos de paz se tornou regionalizada.

Foi somente a partir de 1841 que os Juízes Municipais passaram a ser nomeados pelo Imperador dentre Bachareis formados em Direito (Lei 261, art. 13), mas, onde não houvesse bachareis em Direito (provavelmente a maioria dos lugares), eles seriam substituídos por cidadãos “notáveis do lugar, por sua fortuna, inteligência e boa conduta”(arts. 16 e 19).

A legislação orçamentária de 1843 criou o Registro Geral de Hipotecas em cada Comarca, ofício esse que depois evoluiria para o Registro de Imóveis, e o Regulamento de 1846 atribuiu esse encargo a um dos Tabeliães de Notas da cidade ou vila principal da Comarca, escolhido e nomeado pelo Presidente da Província.

Na Corte do Rio de Janeiro e capitais das províncias, a critério do respectivo Presidente, poderia ser encarregado do Registro um Tabelião específico e exclusivo.

Como visto, ainda mais ofícios foram criados sem controle preciso quanto à respectiva quantidade e desta vez a competência para a designação recaiu sobre o Presidente da Província.

O Surgimento do Concurso Público de Provas e Títulos

O Decreto n.º 817/1851, em seu art. 5º, determinou que as substituições dos Tabeliães do Registro Geral de Hipotecas e de Notas, em seus impedimentos, acontecesse por designação do Governo Imperial, na Corte do Rio de Janeiro, e nas Comarcas por outro dos Tabeliães de Notas, ou, em sua falta, por um Tabelião do Judicial, conforme designação do Juiz Competente do Cível, do Criminal ou do Municipal (na falta do anterior), com a prioridade na mesma classe estabelecida pela numeração das varas.

O art. 10, § 1º, do mesmo Decreto determinou que o provimento temporário dos Ofícios fosse feita pelos Magistrados perante quem houvessem de servir e que se não aparecessem pessoas idôneas para os requerer deveriam servir os substitutos marcados para o impedimento e o § 2º determinou que fosse dada ciência, “na Côrte ao Governo, pela Secretaria d'Estado dos Negocios da Justiça, e nas Províncias aos Presidentes, da vaga existente, e da maneira por que estiver interinamente preenchida”.

O art. 11 determinou que na mesma oportunidade os Magistrados fixassem Editais, “nos lugares dos Ofícios, que os Presidentes farão reproduzir nas Capitaes das Provincias, anunciando a vaga, e convidando os pretendentes a apresentarem seus requerimentos no prazo de sessenta dias.

Conforme o art. 12, “Findo o prazo, o Magistrado ou Autoridade que tiver mandado afixar os Editais remeterá ao Presidente da Província os requerimentos, que, durante os sessenta dias, lhe tiverem sido apresentados, acompanhando-os de informações sobre as habilitações e merecimento de cada hum delles, declarando explicitamente se estão no caso de merecer o provimento. Se não tiverem aparecido pretendentes, disso mesmo dará conta ao Presidente.

O art. 13 determina que “O Presidente da Província, logo que estejam concluídos os sessenta dias marcados na Capital, e depois que tiver recebido os requerimentos, de que trata o Artigo antecedente, os remeterá, com os que lhe tiverem sido apresentados directamente, á Secretaria d'Estado dos Negocios da Justiça, acompanhados de uma informação sobre a idoneidade de cada um dos pretendentes, declarando explicitamente se estão no caso de merecer o provimento”, bem como que “Antes do provimento serão publicados, na Côrte, no Jornal Oficial, os nomes de todos os pretendentes, cujos requerimentos houverem sido remetidos ao Governo pelos Presidentes de Província, e bem assim o daqueles, cujos requerimentos não tiverem sido remetidos em tempo, com declaração das causas que retardaram a remessa” (§ 4º).

O art. 14 acrescenta que “As petições em que se requererem Ofícios ou Empregos de Justiça, mencionados neste Regulamento, devem ser datadas, assinadas pelo pretendente ou seu procurador, e acompanhadas de folha corrida, e mais documentos, que entenderem convenientes, sendo todos devidamente selados”, assim como que “Os pretendentes dos lugares de Escrivães, Tabeliães e mais Officios e Empregos de Justiça deverão juntar, além desses documentos, certidão de idade, e do exame de suficiência” (§ 1º).

Como visto, este parece ter sido o primeiro regramento do concurso público para Tabelião de Notas, que já exigia um “exame de suficiência”, além do envio de “documentos convenientes”, que poderiam muito bem ser os títulos que distinguiam o candidato dos demais, como seriam os, comprovantes de cursos, graduações, pós-graduações, experiências profissionais etc. - assim, fica claro que em 1851 já havia concurso público de provas e títulos para Tabelião de Notas e para Tabelião do Registro Geral de Hipotecas.

A nomenclatura Oficial de Registro Geral surgiu somente em 1864, quando o “Tabelião” designado para as comarcas pelo Presidente da Província ficou exclusivamente sujeito ao Juiz de Direito, em ofícios privativos, únicos e indivisíveis.

Nessa época, como visto, as Câmaras de Vereadores das freguesias tinham competência para nomear Escrivães de Paz que acumulavam a função notarial (Tabelião do Judicial e Tabelião das Notas, conforme a nomenclatura das Ordenações) nos Distritos de Paz (localidades com pelo menos setenta e cinco casas), em cada vila havia um Tabelião do Judicial e outro de Notas, também escolhidos pela Câmaras de Vereadores, enquanto os Presidentes das Províncias tinham competência para nomear os Oficiais de Registro Geral de Imóveis das Comarcas.

Reclamação e Recurso contra o Injusto Preterimento

O art. 1º do Decreto 4.668/1871 alterou as regras do Concurso Público de Provas e Títulos para os Ofícios da Justiça, determinando que o Presidente da Província publicasse os nomes de todos os pretendentes ao Ofício (§ 1º e, oito dias depois, a nomeação provisória do “pretendente que mais idôneo lhe parecer, o qual entrará logo em exercício” (§ 2º), bem como que “Esta nomeação será imediatamente publicada, e o pretendente, que se julgar injustamente preterido, poderá reclamar perante o Presidente dentro de 30 dias, contra a injusta preterição, instruindo sua reclamação com os documentos que tiver” (§ 3º).

A decisão do provimento definitivo cabia ao Governo Imperial, já que “Findo o prazo, de que trata o parágrafo antecedente, o Presidente sujeitará seu ato à confirmação do Governo para a expedição do competente título”, e,“no caso de haver reclamação remeterá ao mesmo tempo, com uma circunstanciada informação, para, prover-se na serventia vitalícia aquele, que tiver melhor direito” (§ 4º), assim como que, “Recebidas na Secretaria de Estado, por intermédio dos Presidentes de Província, as reclamações, de que trata o paragrapho anterior, serão logo publicados no Diário Oficial os nomes do nomeado para servir provisoriamente e de todos os reclamantes; e a respectiva secção as submeterá a despacho juntamente com a nomeação dentro de 60 dias contados da publicação, convenientemente processados na forma do regulamento em vigor” (§ 5º).

O art. 3º dispensou “de exame de suficiência os Doutores em Direito, Bachareis formados, Advogados e os que servirem empregos semelhantes; e de juntar folha corrida os que exercerem funções públicas. A certidão de idade só será exigida, quando de outro modo não constar que o pretendente é maior de 21 anos”, e o art. 4º determinou que “O mesmo se praticará a respeito dos que forem novamente criados por lei geral ou provincial.

A Lei 2.033/1871 permitiu que os Tabeliães de Notas lavrassem as escrituras públicas por escreventes juramentados (art. 29, § 8º), assim como a livre escolha do Tabelião pelas partes, sem compensação na Distribuição (§ 9º).

Em 1874, foi regulamentado o Registro Civil de nascimentos, casamentos e mortes, que foi incumbido aos Escrivães dos Juizados de Paz das freguesias, sob direção do Juiz de Paz, que deveria solucionar eventuais dúvidas.

Em 1885, o art. 1º do Decreto 9.420 reafirmou que “nenhum ofício de Justiça, seja qual for a sua natureza e denominação, será conferido a título de propriedade” e que “Seu provimento, porém, será dado, por meio de concurso, como serventia vitalicia, a quem o exerça pessoalmente.

Nessa regra, fica claro que “serventia vitalícia” equivale a usufruto vitalício, um conceito inadequado para um Serviço Público delegado, que deve ser prestado pelo delegatário ao público e que não deveria existir para a serventia do delegatário.

Portanto, em um contexto republicano como o atual, parece muito pouco apropriado o uso dessa palavra (“serventia”) para fazer referência às unidades notariais e/ou registrais, embora a palavra seja usada até mesmo na Constituição Federal (art. 236, § 3º).

Qualquer dúvida que pudesse existir sobre a extinção definitiva da propriedade de ofícios foi eliminada com a regra do art. 135 daquele mesmo Decreto: “Logo que falecer o serventuário vitalício, ainda que exista sucessor, será posto o ofício a concurso”.

Nessa época, foi esclarecida a competência das Assembleias Provinciais para a criação, anexação e desanexação ou extinção de “Ofícios da Justiça” (art. 4º), inclusive aqueles já criados por outra autoridade.

Assim, as Assembleias Provinciais poderiam extinguir um Ofício que foi criado por um “Capitão do Brasil” ou pelo Rei de Portugal e depois doado, como “mercê”, a determinada pessoa ou família, o que só reforça a extinção da propriedade dos ofícios e a ausência de “direito adquirido” à herança de ofícios.

A nomeação temporária de interino (logo após a vacância) era feita pelo juiz ou Presidente do Tribunal a cuja jurisdição o ofício estivesse submetido (art. 150), sendo que na comunicação da publicação do Edital de abertura do concurso ao Presidente da Província era necessário indicar a disposição legal que criou o ofício, o motivo da vaga e o nome da pessoa que servia no ofício (art. 155).

O prazo de inscrição era de 60 dias, findo o qual o juiz ou Presidente do Tribunal que tivesse publicado o Edital enviaria todos os requerimentos de inscrição ao Presidente da Província, com informações sobre o merecimento moral e intelectual dos candidatos (arts.. 161 e 162).

O Presidente da Província, então, deveria publicar os nomes de todos os pretendentes (art. 167) e, depois de oito dias, nomearia provisoriamente o pretendente que lhe parecesse mais idôneo (art. 168), e qualquer pretendente que se considerasse injustamente preterido poderia reclamar ao Presidente da Província no prazo de 30 dias, com razões escritas e os documentos necessários (art. 171).

A confirmação da indicação do Presidente da Província cabia ao Governo Imperial, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, para expedição do competente título (arts. 175 e 181).

Havia previsão para exame de suficiência e provas de habilitação (art. 187 e ss.).

O exame de suficiência era presidido por qualquer juiz de direito a quem fosse requerido, nas comarcas especiais, e pelo juiz de direito do termo em que residir, nas comarcas gerais: “O exame será publico e versará sobre os assumptos e obrigações de cada officio e annexos, comprehendidos os que possam resultar das substituições dos serventuarios, e determinados pelas disposições em vigor“ (art. 188); “Cada exame se fará á proporção que fôr requerido e de per si, para que um dos examinandos não possa regular as suas pelas respostas do outro” (art.189); “Os examinadores serão nomeados pelos juízes ou magistrados que anunciarem o concurso, segundo a ordem estabelecida nos arts. 150 § 3º, 151 e 152; recaindo a nomeação em advogados, serventuários de Justiça e outras pessoas idoneas e insuspeitas.” (art. 190); “O exame será oral e escrito, e constará das matérias compreendidas no art. 188, as quais se referem não só às generalidades, mas também às especialidades dos ofícios em concurso” (art. 191); “Depois da prova oral, na qual o examinando será interrogado pelos examinadores, reduzirá ele a escrito as principais perguntas, que serão ditadas pelo presidente do concurso, e em seguida as respostas dadas” (art. 192); “As provas escritas serão, depois de rubricadas pelo presidente e pelos examinadores, juntas com o auto de exame aos demais papeis do concurso” (art. 193); “a falta de rubrica em todas as folhas ou outra qualquer irregularidade invalida o auto do exame, que por isso não pode ser aceito.” (art. 194); “No auto do exame será declarada a aprovação plena ou simples, ou a reprovação” (art. 195); “A votação se fará logo depois do exame e por escrutínio secreto, podendo ser previamente discutido entre o presidente e os examinadores o valor das provas” (art. 196).

Eram dispensados do exame de suficiência os doutores e bachareis em direito, advogados provisionados e serventuários de ofícios de igual natureza (art. 198); também devia ser exibido um certificado de exame de língua portuguesa e de aritmética, até a teoria das proporções (art. 199).

Entre os documento que deviam ser enviados pelos pretendentes, além dos comprovantes de preenchimento dos requisitos de inscrição (art. 210), estavam “documentos que forem convenientes para prova de capacidade profissional” (§ 8º) - como visto, esse é mais um indicativo de que já havia uma “prova de títulos”, pois os demais documentos eram essenciais (art. 211).

Era permitida a permuta (art. 301), "quando as serventias forem da mesma natureza e tiverem igual rendimento", mas não a remoção (art. 302).

Era bastante detalhado, como visto, o regramento do concurso público de provas e títulos para os Ofícios de Justiça ainda no século XIX.

Os Tabeliães de Notas, Escrivães de Paz e até Escrivães do Cível eram competentes para protesto de letras se não houvesse escrivão especial ou estivesse impedido (art. 38).

Foram extintos os ofícios de escrivão comercial de 2ª instância, mas eles “continuam a ser tabeliães privativos do protesto de letras de câmbio e da terra e mais títulos que o exigem” (art. 41) e, depois de vagos tais cargos, “servirão como tabeliães de protestos de letras e outros títulos os escrivães do comércio da 1ª instância”.

Como visto, a legislação que cria ou organiza “ofícios da justiça” até o início do século XX ainda era bastante imprecisa a respeito da quantidade e da localização dos “ofícios” criados ou já existentes e disso resultam sérias dificuldades para identificar quais cartórios são validamente existentes e também para a organização das listas de cartórios oferecidos em editais de Concursos Públicos, sobretudo quando a data de criação é o critério de desempate da vacância.

Em todo caso, fica claro que o Império trouxe importantes avanços republicanos, inclusive o Concurso Público de Provas (“exame de suficiência”) e de Títulos (“documentos convenientes para prova da capacidade intelectual”), com previsão de recurso ou reclamação ao Governo Imperial para quem se julgasse preterido.

Avanços da República Velha

As primeiras “enumerações” encontradas em consulta pública na internet sobre quantos eram e quais eram os cartórios extrajudiciais existentes são os Códigos de Organização Judiciária do do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal (Rio de Janeiro).

No Distrito Federal, o Decreto 9.263/1911, em seu art. 10, § 3º, enumerava os “serventuários da justiça” do Distrito Federal: havia dez Tabeliães de Notas, um Tabelião de Protesto de Letras, três Oficiais de Registro Geral e um de Registro Especial.

O respectivo art. 72 determinava a vitaliciedade desses Oficiais e o art. 175 permitia que os escrivães de pretorias suburbanas (provavelmente o novo nome atribuído às Escrivanias de Paz) exercessem as funções de Tabelião de Notas.

O Decreto 16.273/1923 enumera (art. 4º, § 4º) dezoito Tabeliães de Notas, dois oficiais de Protesto de Letras e Títulos, quatro Oficiais de Registro de Imóveis e dois Oficiais de Registro Especial de Títulos e Documentos. Entretanto, os Escrivães da 7º e 8º Pretorias Cíveis ainda exerciam funções de Tabelião de Notas (art. 157).

O concurso público continuava existindo e seguia as mesmas regras vigentes para o ofício de avaliador (arts. 235 e 236), mas para concorrer era necessário ter quatro anos de prática forense, como bacharel ou doutor em direito ou como escrevente nos cartórios, e prestar caução.

No Distrito Federal (Rio de Janeiro), o Registro Civil ainda era incumbência dos Escrivães de cada uma das oito Pretorias Cíveis, por força do art. 299 do Decreto de 18.542/1928, que determinava a realização de concurso público para Oficiais de Registro de Imóveis e de Títulos e Documentos logo que a vaga existente fosse comunicada ao Presidente da Comissão Disciplinar pelo Presidente da Corte de Apelação (art. 307).

Havia, nessa época, cinco Ofícios de Registro de Imóveis (art. 301).

Poderiam concorrer à vaga os escreventes dos respectivos cartórios e os bachareis ou doutores em direito com quatro anos de prática.

Em 1939, na época do Decreto 4.857, o Registro Civil do Distrito Federal (Rio de Janeiro) ainda era feito nas oito Pretorias Cíveis, divididas em dois ofícios ou zonas cada uma (art. 316), havia seis Oficiais de Registro de Títulos e Documentos e nove Oficiais de Registro de Imóveis.

Nesse período, é possível que a Organização Judiciária de cada Estado tenha iniciado a enumeração de todas os cartórios extrajudiciais já criados e ainda existentes, tal como aconteceu no Distrito Federal, que certamente servia de modelo para o restante do Brasil, embora não seja possível afirmar com certeza essa possibilidade, diante da amplitude e dificuldade da pesquisa e da escassez de dados públicos na internet.

De qualquer modo, o exemplo do Distrito Federal (Rio de Janeiro) é suficiente para o fim aqui pretendido, de demonstrar que essa sistematização já era possível e já tinha sido implementada pelo menos no centro político do Brasil, embora, no futuro, o implemento desse tipo de pesquisa “arqueológica” ainda possa trazer uma ou outra surpresa.

Peculiaridades do Rio Grande do Sul

A Lei Estadual n.º 10/1895 reafirmou, em seu art. 80, que “nenhum ofício de justiça, seja qual for a sua natureza e denominação, será conferido a título de propriedade” e acrescentou que os “serventuários de justiça não são demissíveis senão em virtude de sentença judicial” (art. 81).

Os ofícios da justiça eram incompatíveis com qualquer outra função pública, mas não inibia a participação em empresas, como simples associado (arts. 82 e 83).

Eram considerados Ofícios de Justiça o notariado e os ofícios do registro geral e do registro civil (art. 86), que deviam ser providos pelo presidente do Estado, mediante concurso (art. 87), que era regulamentado pelo Superior Tribunal do Estado, com as seguintes bases (art. 88): o concurso seria convocado e presidido pelos juízes de comarca (“a”), o Superior Tribunal do Estado faria a apreciação das provas de habilitação dos concorrentes (“b”) e, depois de classificar os candidatos segundo seu mérito e aptidão, indicaria ao presidente do Estado, em lista tríplice, os candidatos que fossem considerados mais dignos, tendo em vista a preferência decorrente da idoneidade e relevantes serviços ao Estado (“c”).

A nomeação provisória era feita pela mesma autoridade competente para a convocação do concurso (art. 89), foram consideradas subsistentes as disposições do Decreto n.º 9.420/1885 que não fossem alteradas pelo novo regime, especialmente a de que os sucessores de serventuários seriam nomeados pelo presidente do Estado, mediante proposta do presidente do Superior Tribunal, perante quem correrá o processo para prova nos casos em que a Lei admite a sucessão (art. 90).

Entretanto, conforme o art. 200, as primeiras nomeações para os ofícios de justiça podiam ser feitas independente de concurso, conforme a faculdade conferida pela disposição transitória do art. 6º da Constituição Estadual, que estabeleceu preferência em favor dos serventuários que ficaram em disponibilidade por efeito da nova organização judiciária, no preenchimento das vagas que abrissem.

Naquela época, havia quatro “lugares” de notário na capital do Estado, três na cidade de Pelotas, dois nas demais cidades e um nas vilas (art. 108).

Essa regra menciona a “criação”, mas na verdade se trata de uma “consolidação”, pois, segundo o Portal Justiça Aberta, o 4º Tabelionato de Notas de Porto Alegre foi criado em 1900 (provavelmente a data de instalação), enquanto o 3º já existia desde 1888 e o 5º só foi criado em 1928. Por outro lado, a cidade de Pelotas já contava com três tabelionatos desde 1878 e o 4º Tabelionato só foi criado em 1828 - ou seja, não foi criado nenhum Tabelionato em Pelotas naquela época.

O art. 109 determinava que o Presidente do Estado, com prévia informação dos juízes de comarca, poderia aumentar esse número de “lugares”, conforme exigido pelo desenvolvimento da população e do comércio.

O art. 112 proibia a remoção, mas permitia a permuta de ofícios entre notários.

A livre escolha dos notários pelas partes era expressamente reconhecida, conforme o art. 113, mas eles não podiam exercer suas funções fora do município a que tinham sido designados (art. 115).

A fiscalização dos notários era feita pelo juiz de comarca da 1º vara, na capital, pelo juiz da sede da comarca ou pelo juiz distrital nas vilas (art. 116).

Em cada município deveria existir um oficial do Registro Geral (art. 127) e haveria Ofícios privativos de Registro Civil somente na capital do Estado, um deles para registro de casamentos e outro para registros de nascimentos e de óbitos, e nas cidades de Pelotas e de Rio Grande, para todos os assentos.

Fora da capital do Estado (Porto Alegre) e das cidades de Pelotas e de Rio Grande, eram incumbidos do Registro Civil os escrivães da provedoria, nas cidades e vilas, e aos escrivães dos distritos municipais, nomeados pelo Juiz da Comarca sob proposta do Juiz distrital (art. 121), e em distritos rurais os escrivães poderia exercer as funções próprias de notários (art. 122).

A Lei Estadual n.º 346/1925 manteve a organização em comarcas, termos e distritos (art. 18), sendo que cada município constituía um termo e cada distrito municipal um distrito judiciário (parágrafo único), mas a comarca poderia compreender mais de um termo.

Os serventuários dos ofícios do notariado, das escrivanias, do registro geral de imóveis, do registro civil e do registro especial de títulos e documentos eram considerados auxiliares da justiça (art. 85) e deveriam ser providos pelo presidente do Estado, mediante concurso (art. 109).

O concurso seria regulamentado pelo Superior Tribunal do Estado, observadas as regras da Lei (art. 110), que não divergiam de modo significativo das já enunciadas.

Entretanto, conforme o art. 115, foi admitida a remoção a pedido (para comarca de igual ou inferior entrância, assim como a permuta para a mesma entrância) ou por conveniência do serviço público (compulsória), pela referência aos arts. 49 a 51.

O presidente do Estado poderia criar novos ofícios, assim como a supressão ou anexação de ofícios vagos (art. 122).

Não houve maior novidade nas demais regras, em relação à Lei anterior, mas não foram mais indicados os “lugares” de cada especialidade.

Entretanto, o art. 219 novamente permitiu que as “primeiras nomeações para os ofícios de justiça que esta lei estabelece ou que foram criados nos termos do art. 122 serão feitas sem dependência de concurso”.

Conclusão

Como visto, a Monarquia Constitucional e a primeira República trouxeram diversos avanços institucionais em relação ao Concurso de Cartórios.

Além da extinção definitiva da propriedade dos ofícios e da instituição do concurso público como critério de seleção, na época do Império já havia a avaliação dos títulos dos candidatos que os apresentassem e esses títulos poderiam ser considerados um critério de distinção desse candidato.

A primeira república trouxe as primeiras enumerações dos Ofícios Extrajudiciais existentes, mas essa prática não se tornou uma tradição e acabou sendo abandonada nos Códigos de Organização Judiciária seguintes.

Em todo caso, a comparação com o período seguinte chega a ser cruel, pois teria sido muito melhor se essas conquistas tivessem sido estabilizadas por todo o século XX, no lugar dos retrocessos que serão vistos na terceira parte deste estudo.