Neo-Patrimonialismo nos Cartórios: entre Caudilhos, Ditadores e Demagogos

Terceira parte do estudo sobre Concursos Públicos para cartórios. Análise sobre o período a partir do "Estado Novo" até o final da década de 1970, em que houve vários retrocessos nas regras republicanas sobre o concurso público, que já existiam desde a metade do século XIX.

Guilherme da Rocha Zambrano

Introdução

A competência legislativa dos Estados federados sempre abrangeu a legislação sobre organização judiciária (inclusive a organização do “foro extrajudicial”) e, até a Constituição de 1934, abrangia até mesmo direito processual.

A exigência do Concurso Público para Cartórios parece ter sido incluída na competência legislativa dos Estados para legislar sobre direito administrativo e organização judiciária e ninguém nunca questionou uma eventual contrariedade com a legislação nacional pré-existente.

Apesar da legislação nacional que exigia o concurso público para os Ofícios da Justiça desde 1851, e do modelo do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul, que mantiveram essa exigência durante a primeira República e o início do "Estado Novo", houve graves retrocessos nas regras republicanas e do Concurso Público a partir da Constituição de 1937, que é assim resumida na página oficial sobre as Constituições Brasileiras: "Durante o período ditatorial do Estado Novo, esta Carta extinguiu as liberdades políticas, a independência dos Três Poderes, a autonomia dos estados e também o cargo de vice-presidente. A eleição para presidente passou a ser indireta com mandato de seis anos, e foi liberada a pena de morte, o exílio de opositores, a cassação da imunidade parlamentar e a censura dos meios de comunicação."

Com isso, as conquistas republicanas foram gradativamente sendo perdidas, aparentemente em todo o Brasil.

O retrocesso no Brasil

Depois de quase um século de exigência de concurso público no provimento de Ofícios de Justiça, o Decreto-Lei 8.527/1946 (na vigência da Constituição Federal de 1937) permitiu a livre nomeação para diversos cargos da Justiça no Distrito Federal, embora essa regra não fosse uniforme para todos os cargos, pois, enquanto os juízes faziam concurso, os promotores públicos não precisavam.

Nos termos do art. 303, somente um terço dos Tabeliães de Notas e Oficiais de Registro eram nomeados dentre os escrivães de Varas Cíveis, por merecimento, sendo que os dois terços remanescentes eram de livre nomeação, dentre bachareis em direito ou cidadãos de reconhecida competência.

Mesmo dentro do terço reservado aos escrivães de Varas Cíveis poderia haver dois terços livremente escolhidos, com aqueles mesmos critérios, assim como dentre os escrivães de Varas Criminais, e somente os escreventes juramentados eram todos selecionados por concurso público, mas seria preciso galgar as posições de escrivão de Vara Criminal primeiro, depois de Vara Cível, para só então concorrer para os Serviços Notariais e Registrais, sendo que em cada um desses níveis só um terço das vagas eram reservadas para quem já estava no nível anterior.

Com isso, a proporção de Notários e Registradores nomeados a partir de concurso pode ter caído para até apenas um escrevente juramentado concursado a cada vinte e sete titulares nomeados e tal retrocesso no modelo do Distrito Federal seguramente repercutiu no resto do País e reacendeu as culturas do clientelismo e do patrimonialismo, tal como no Antigo Regime.

Além disso, nesse Decreto-Lei não houve mais a indicação da quantidade de Tabeliães de Notas, de Protesto ou de Contratos Marítimos, tampouco Registradores de Títulos e Documentos, embora tenha sido indicada a quantidade de Ofícios de Distribuição (dez), de Registro de Imóveis (onze) e de Registro Civil (quatorze).

O retrocesso no Rio Grande do Sul

O Decreto-Lei n.º 09/1940 reformou a Organização Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, por determinação do Interventor Federal, com base no trabalho de uma Comissão composta por Álvaro Leal, Celso Afonso Pereira e Osvaldo Vergara.

A Comissão apresentou uma exposição de motivos lacunosa para a dispensa de Concurso Público: “não alteramos os ofícios de justiça, mas o modo de investidura nos cargos, ficando dispensado o concurso”; “atribuímos, destarte, ao Governador a escolha dos serventuários, ao mesmo tempo em que lhes outorgamos a faculdade de dispensar livremente os nomeados sem concurso, enquanto não adquirirem a garantia constitucional da estabilidade aos dez anos de efetivo exercício”.

O território do Estado foi dividido em comarcas, termos e circunscrições ou distritos (art. 18), sendo que cada município constituía um termo e cada distrito municipal uma ou mais circunscrições judiciárias (parágrafo único).

Os serventuários dos ofícios do notariado, das escrivanias e dos registros de imóveis, civil de pessoas naturais, civil das pessoas jurídicas e de títulos e documentos foram incluídos entre os auxiliares da justiça (art. 89).

Os ofícios de justiça eram providos por nomeação do Governador e, assim como os juízes, eram classificados por entrâncias (art. 125); os que fossem nomeados sem concurso poderiam ser demitidos livremente, salvo no caso de estabilidade decenal.

Entretanto, a regra que estabeleceu a estabilidade decenal foi suspensa quando o Brasil entrou na segunda guerra mundial (pelo Decreto n.º 10.358/1942) e em 1947 voltou a ser exigido o concurso público, como será visto adiante.

No curto interregno de dispensa do concurso público (até 1947), o juiz de direito deveria indicar pessoa idônea para exercer o cargo em caráter provisório ao Governador (art. 127).

Ainda era admitida remoção a pedido ou por interesse público, por proposta da Comissão Disciplinar Judiciária, mas a remoção a pedido só teria lugar se estivesse vago ofício da mesma natureza (mesmas atribuições) ou por permuta entre serventuários de igual ofício, sempre dentro da mesma entrância (art. 121).

O Governador poderia criar novos ofícios, assim como suprimi-los ou anexá-los a outros (art. 138) e até dividi-los (art. 140); em cada circunscrição haveria um ou mais escrivães distritais, sempre nomeados pelo Governador, mediante proposta do juiz de direito da comarca (art. 139); o Governo poderia alterar ou suprimir as atribuições dos ofícios (art. 141).

O art. 143 previa um imposto chamado “selo de nomeação, assim como “outros a que os serventuários estejam obrigados”.

Essas regras parecem esclarecer o relato de um Registrador gaúcho, que teria ouvido de outro colega a informação de que o pai dele teria "comprado o cartório mais ou menos na década de 1930" e que nem ele e nem o pai tinham experiência na área e nem formação jurídica.

Os escrivães das circunscrições ou distritos podiam exercer funções próprias de notários, salvo as de lavrar escrituras de contratos de valor excedente a cinquenta contos de réis (art. 158), e também exerceriam as funções de Registro Civil (art. 167).

O Decreto-Lei n.º 799/1945 alterou poucos dispositivos relativos aos ofícios da justiça.

O art. 48 definiu o expediente dos cartórios das nove às doze e das catorze às dezessete horas e o parágrafo único previu que os registros não sofreriam paralisação nas férias, mas seria suspenso em domingos e feriados, exceto o registro civil, que funcionaria até às doze horas, enquanto nos sábados o expediente seria até às doze horas, exceto o registro civil.

Além disso, o art. 58 atribuiu aos oficiais de registro de títulos e documentos o protesto de letras e outros títulos.

O restabelecimento do Concurso Público no Rio Grande do Sul

A Constituição Estadual de 1947 restabeleceu o concurso público para a investidura em todos os cargos, de carreira ou não (art. 201), declarou a vitaliciedade dos titulares de ofícios de justiça concursados (art. 204) e tornou estáveis os ocupantes dos cargos de provimento efetivo que não tinham feito concurso, depois de cinco anos (art. 205, II).

Como visto, mais uma vez, a exigência do concurso público veio acompanhada de outro "trem da alegria".

As leis de organização judiciária de 1950 (Lei 1.008) e de 1966 (Lei 5.256) preservaram o ingresso de “serventuários” por concurso público de provas (arts. 126 e 678, respectivamente) e a nomeação pelo Governador do Estado.

O COJE/1950 suprimiu os termos (art. 5º) e estabeleceu uma comarca em cada município (parágrafo único).

Os Serviços Notariais e de Registro eram considerados auxiliares da justiça (art. 120, III) e classificados segundo a entrância da comarca a que pertencem (art. 126) e já seria possível a apresentação de documentos abonatórios da capacidade intelectual (art. 127, § 1º), que são uma espécie de título - tanto é assim que o art. 132 determina que junto com as provas deveriam ser “incorporados os documentos ou títulos abonatórios”.

Como visto, em 1950 o Concurso Público já era de Provas e Títulos no Rio Grande do Sul, como tinha sido desde 1851 em todo o Brasil.

O concurso era aberto por edital publicado pelo Juiz Diretor do foro onde ocorreu a vaga e reproduzido duas vezes no Diário da Justiça (art. 128), os inscritos eram anunciados no Diário da Justiça e informados ao Conselho Superior da Magistratura (art. 129), que organizava o programa das matérias e os pontos relativos a cada ofício e fazia o julgamento, a classificação das provas e a organização das listas de aprovados, para envio ao Governador do Estado (art. 130).

Quinze dias depois da publicação dos pontos, era realizada a prova do concurso, na sede do Tribunal ou do foro, que constaria de uma dissertação escrita sobre o ponto sorteado e prazo de duas horas aos candidatos (art. 131), sendo que o ponto comum para todos os candidatos era sorteado no dia e hora marcados para a prova, pelo primeiro candidato inscrito.

Cada concorrente deveria ler e subscrever a respectiva prova e rubricar as dos demais candidatos (art. 132).

O Governador do Estado estava vinculado à ordem da lista de classificação (art. 134) e, se houvesse empate, havia preferência, nesta ordem, para o ajudante do serventuário cuja vaga estivesse sendo preenchida, se tivesse mais de cinco anos de exercício, para o que fosse titular efetivo de serventia de justiça, que fosse ajudante de serventuário de justiça em geral, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que fosse casado ou que tivesse prole mais numerosa; só em último caso o Governador escolheria livremente, entre os empatados (art. 134).

Entretanto, a "rigorosa ordem de classificação" parecia fácil de burlar, pois bastaria atribuir a nota máxima a todos os candidatos, com um "gabarito" simplório, para que prevalecesse a livre escolha do Governador ou, no julgamento do Conselho da Magistratura, o candidato com "mais títulos abonatórios".

Era possível o “aproveitamento” dos candidatos aprovados no prazo de um ano, para a mesma vaga ou para idêntico ofício de justiça, se não houvesse outros candidatos inscritos ou aprovados (art. 135).

Foi confirmada a vitaliciedade dos serventuários de justiça investidos mediante concurso (art. 137).

Ficou definido que somente por Lei podiam ser criados, divididos, anexados, desanexados ou suprimidos os ofícios de justiça (art. 141).

Conforme o art. 167, parágrafo único, os Escrivães Distritais exerciam as funções próprias dos oficiais de registro civil das pessoas naturais e dos tabeliães.

O protesto de títulos ainda era atribuição dos oficiais de registro de títulos e documentos (art. 169, II).

A escrivania de distrito que fosse elevada à condição de sede de novo município deveria ser desdobrada em tabelionato e cartório de registro civil pessoas naturais, cabendo ao titular, se vitalício, a opção por um dos cargos no prazo de trinta dias, ao presidente do Tribunal de Justiça; no silêncio, ele seria investido na função de oficial de registro civil de pessoas naturais (art. 317).

Mais “trens da alegria”

O art. 318 criou um verdadeiro “trem da alegria”, pois efetivou os servidores públicos que exercessem há mais de um ano, a qualquer título, função ou cargo de auxiliar de justiça e que contassem cinco anos de serviço público.

A Lei Estadual n.º 1.749/1952 acrescentou um parágrafo único no art. 137 para permitir a remoção para ofício de igual natureza, com as mesmas atribuições, na mesma entrância.

A Lei Estadual 2.666/1955 desfez a equivalência entre comarca e município (art. 6º); além disso, criou uma oficio de cada especialidade nos novos municípios (art. 5º), mas determinou a anexação do registro civil ao tabelionato de notas e dos registros de títulos e documentos e de pessoas jurídicas ao registro de imóveis (§ 1º).

Ao titular de escrivania de distrito elevado a sede de novo município cabia as funções de tabelião e de oficial de registro civil de pessoas naturais (§ 2º).

A Lei Estadual n.º 3.119/1957 aprovou o novo Código de Organização Judiciária do Estado - COJE/1957 e restabeleceu a regra de que cada município constitui uma comarca (art. 6º, § 1º).

O art. 111 incluiu os serventuários notariais e de registro (art. 112) entre os servidores da Justiça e manteve em larga medida inalteradas as demais disposições anteriores, mas houve a criação e reorganização de vários ofícios no Título VII.

O COJE/1966 (Lei Estadual n.º 5.256/1966) voltou a permitir que as comarcas abrangessem mais de um município (art. 6º, § 1º).

O art. 134 classificou os ofícios em judiciais ou extrajudiciais.

O art. 139 estabeleceu quatro classes para os ofícios extrajudiciais: tabelionatos; registros públicos, abrangendo registro civil de pessoas naturais e jurídicas, de títulos e documentos e de protestos de títulos mercantis; registros especiais, abrangendo registro civil de pessoas jurídicas, de títulos e documentos e de protestos de títulos mercantis; registro de imóveis.

O art. 140 permitiu a reunião de todas as classes, exceto o registro de imóveis, em lugares de movimento reduzido, sob a denominação cartório extrajudicial.

O art. 141 estabeleceu que os cartórios de distritos elevados à sede de município teriam as funções de tabelionato e de registro civil de pessoas naturais e chamados de cartório extrajudicial.

O art. 143 manteve a denominação de serventuário para os oficiais extrajudiciais.

O art. 153 permitiu o exercício de funções de tabelião e de registrador civil pelos escrivães distritais.

O Título VIII criou e reorganizou diversos ofícios extrajudiciais.

O Livro IV criou o Estatuto dos Servidores da Justiça, dentre os quais estavam os Oficiais Extrajudiciais (art. 649).

Conforme o art. 654, o ingresso na categoria de serventuário era feito mediante concurso público e eles se tornavam vitalícios com a investidura (art. 656).

O art. 683 permitia a remoção como critério de preenchimento das vagas, entre servidores da mesma classe e entrância, mediante requerimento dirigido ao Conselho da Magistratura, antes mesmo da abertura de concurso público (art. 660).

O programa, as matérias e as questões do concurso eram elaboradas pelo Conselho da Magistratura (art. 664).

A prova era escrita e prática, com duração de quatro horas e era permitida a consulta à legislação não comentada (art. 669), com uma dissertação e dez perguntas, manuscritas; a prova prática era datilografada; a correção de linguagem e a técnica de datilografia eram elementos de avaliação dos candidatos (parágrafo único).

A prova teórica valia de 50 a 70 pontos e a prática o restante (art. 670, § 1º); era inabilitado o candidato que tivesse menos de 50 pontos (§ 2º).

Havia publicação dos aprovados, com as médias obtidas, e recurso ao Conselho Superior da Magistratura (art. 671), o concurso era válido por dois anos (art. 674) e era possível o aproveitamento para outra vaga da mesma qualidade e entrância, a critério do Conselho Superior da Magistratura (art. 693, parágrafo único).

Essa discricionariedade parece bastante perigosa, pois permitiria o aproveitamento de "apadrinhados" e o não aproveitamento dos "desalinhados" ou "inimigos" de algum poderoso.

O serventuário com mais de um ano como titular poderia pedir remoção para serviço vago da mesma entrância, natureza e categoria (art. 682, § 1º), mas a remoção não seria admitida se o ajudante substituto requeresse (direito potestativo?) a abertura de concurso (§ 4º).

A remoção era solicitada ao Conselho Superior da Magistratura, no prazo de dez dias após a publicação da vaga no Diário da Justiça (art. 683), tinha prioridade sobre o aproveitamento (§ 1º) e poderia ser pedida para um ofício recém criado (§ 2º).

O Conselho poderia optar pelo serventuário mais antigo ou de maior mérito, com base em critérios objetivos e motivados (art. 684), como base na ficha funcional (parágrafo único).

Apesar da exigência de critérios objetivos para essa motivação, esses critérios não foram enunciados na Lei e não seria fácil invocar a observância de precedentes (stare decisis), pela provável inexistência de um repositório oficial das "opções" feitas anteriormente pelo Conselho da Magistratura.

Também era possível a permuta dentro da mesma classe e entrância, conforme parecer prévio do Conselho, pautado pela conveniência do serviço (art. 685), salvo se faltasse menos de cinco anos para a aposentadoria voluntária de um dos permutantes ou se o parecer médico fosse contrário (§1º).

Mais uma vez, verifica-se a a ausência de critérios objetivos para o significado de conveniência do serviço, que deveria orientar o parecer prévio do Conselho, como também para o parecer médico, e essas duas situações poderiam ocultar arbitrariedades.

A esse respeito, é importante recordar a recente eliminação da "entrevista pessoal" que era prevista no item 8.2 da Minuta de Edital anexo à Resolução n.º 81/2009 do CNJ, pela Resolução n.º 590/2024, em que foi "descartada a possibilidade da promoção de entrevista pessoal a fim de eliminar o risco de favorecimentos e rejeições indevidas".

O art. 714, II estabeleceu que os “oficiais extrajudiciais” “perceberão somente custas” (tal como escrivães do Cível da Capital e de Pelotas), enquanto outros “escrivães judiciais” e Oficiais de Registro Civil “perceberão vencimentos e custas” (III).

Para custear suas aposentadorias, os que recebiam somente custas deviam contribuir com quatro por cento de sua remuneração (art. 701), calculada sobre o maior vencimento da mesma entrância, acrescido de 50%.

Recrudescimento do Autoritarismo

O COJE/1970, publicado em 02/09/1970, foi o primeiro “Regulamento Autônomo” para a Organização Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, pois foi aprovado por uma Resolução do Tribunal de Justiça, em vez de uma Lei ou um Decreto-Lei.

A Lei Estadual 6.124/1970, de 28/12/1970, fez alterações no COJE então vigente, como se Resolução e Lei tivessem a mesma hierarquia normativa.

O art. 5º manteve a possibilidade de uma comarca abranger vários municípios e renomeou as divisões inferiores como municípios e distritos.

O art. 175 dividiu os ofícios de Justiça ou cartórios em judiciais e extrajudiciais, sendo que os últimos são os Serviços Notariais e de Registro e os cartórios de sede municipal e distrital (“b”).

O art. 182 denominou como “Ofício de Registros Públicos” aqueles que tivessem todas as especialidades Registrais (inclusive de Imóveis) e o Protesto de Títulos.

O art. 183 denominou como “Registros Especiais” o Registro Civil de Pessoas Jurídicas, o Registro de Títulos e Documentos e o Protesto de Títulos mercantis.

O art. 188 tratou dos oficiais extrajudiciais como servidores extrajudiciais.

O art. 190 permitiu que alguns grupos de servidores judiciais fossem remunerados total ou parcialmente por custas (“a”), da mesma forma que os servidores extrajudiciais (“b”), que também poderiam ser remunerados com vencimentos e custas (os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais e dos Registros Públicos), somente por custas (Tabeliães e demais Oficiais) ou em “nível único” (“c”), correspondente aos Escrivães Distritais.

O ingresso nas classes de servidores da Justiça se dava por concurso público (art. 195) e a estabilidade dos concursados era adquirida depois de dois anos de efetivo exercício, a partir de quando sua demissão só poderia ser feita após processo judicial ou administrativo (art. 199).

O Conselho Superior da Magistratura organizava e revisava a cada seis meses programas globais das matérias sobre as quais versariam os concursos e lhes daria ampla publicidade (art. 203).

Os concursos eram realizados para provimento dos cargos da mesma classe e entrância (art. 204), criados ou vagos em todo o estado, e aconteceriam na capital ou na comarca que fosse designada pelo Conselho da Magistratura (art. 205), conforme a região em que houvesse o maior número de cargos vagos (§ 1º).

O concurso era prestado perante uma Comissão formada por dois juízes corregedores indicados pelo Corregedor-Geral e pelo juiz de direito diretor do foro onde fossem realizadas as provas (art. 205).

A Comissão tinha o poder de rejeitar um candidato conforme o seu livre convencimento, e secretamente, em decisão irrecorrível, pelas "qualidades morais" dos pretendentes, assim como o Conselho Superior da Magistratura, que poderia a qualquer tempo anular a inscrição do candidato (art. 209).

No dia da prova, e na presença dos candidatos, a Comissão de Concurso organizaria um conjunto de dez questões teóricas e práticas, com base no programa respectivo, sendo permitida a consulta a legislação não comentada (art. 211); as questões práticas poderiam ser formuladas sob a forma de testes (§ 1º); era obrigatória uma “composição” sobre tema da atualidade, objetivo e compatível com o concurso, e um exame de datilografia (§ 2º); a prova tinha duração de quatro horas (§ 3º) e só poderiam ser identificadas após atribuído o grau a cada candidato (§ 4º).

O julgamento das provas e a classificação dos candidatos cabia à Comissão de Concurso (art. 212), as questões teóricas valiam quarenta pontos, as práticas vinte, a “composição” sobre conhecimentos gerais mais vinte e a datilografia mais vinte (§ 1º); a datilografia era eliminatória se o candidato não obtivesse pelo menos quatro quintos do valor da prova (§ 2º).

O resultado do julgamento das provas era publicado no Diário da Justiça e era possível interpor recurso em dez dias (art. 213), para o Conselho da Magistratura, que poderia reexaminar as provas e a classificação dos concorrentes e examinar, em decisão irrecorrível, as qualidades morais dos candidatos (art. 214).

As nomeações eram feitas na ordem de classificação do concurso, mas, em igualdade de condições, eram preferidos os servidores da Justiça, dentre eles os funcionários do serviço vago, os servidores da mesma classe funcional, os servidores com maior tempo de serviço e com maior tempo de serviço estadual (art. 218).

O concurso era válido por dois anos, mas a nomeação dos remanescentes dependia de parecer favorável do Conselho da Magistratura, que devia verificar se penduravam as qualidades morais do pretendente (art. 219).

Os servidores da Justiça que recebiam custas deveriam prestar caução real ou fidejussória ou fazer seguro de fidelidade, em valor arbitrado pelo Conselho da Magistratura (art. 223).

A remoção a pedido era possível depois de dois anos de efetivo exercício e só poderia acontecer na mesma entrância, dentro da mesma categoria e classe funcional (art. 243), e só seria autorizada se houvesse prévia inspeção cujo resultado fosse favorável ao “servidor” (§ 4º).

Os pedidos de remoção tinham preferência sobre os pedidos de aproveitamento, mas a do servidor em disponibilidade tinha maior prioridade (art. 245, § 1º); a remoção era assegurada ao mais antigo da classe, mas o Conselho da Magistratura poderia optar por outro candidato se a decisão fosse pela maioria absoluta (art. 246).

A permuta não era admitida quando faltasse menos de cinco anos para a aposentadoria de um dos permutantes ou quando exame médico revelasse que algum dos requerentes não estava apto ao exercício do cargo (art. 248, parágrafo único).

Havia contribuição previdenciária de ativos e de inativos (art. 254).

O art. 484 , IV, definiu as delimitações territoriais do Registro Civil de Pessoas Naturais em Porto Alegre e foram criados, desmembrados, desanexados, anexados e extintos vários cartórios extrajudiciais nos arts. 488 e ss.

Em 1975, houve o segundo “Regulamento Autônomo” da Organização Judiciária do Rio Grande do Sul.

A divisão judiciária ainda era em comarcas, municípios e distritos e as comarcas poderiam abranger mais de um município (art. 2º).

Os serviços auxiliares da justiça eram judiciais ou extrajudiciais (art. 88).

Os ofícios extrajudiciais incluíam os Ofícios Distritais, o novo nome dos antigos Cartórios Distritos (art. 90, “9”).

O art. 95 atribuiu o nome de Ofício dos Registros Públicos ao Cartório que reunisse todas as especialidades registrais mais Protestos Cambiais, exceto o Tabelionato de Notas.

O art. 96 atribuiu o nome de Registros Especiais ao Cartório que reunisse o Registro Civil de Pessoas Jurídicas, de Títulos e Documentos e os Protestos Cambiais.

Os servidores do foro extrajudicial eram os titulares dos Ofícios enumerados no art. 90.

Os auxiliares do foro extrajudicial eram contratados como empregados pela CLT, e dentre eles eram indicados os ajudantes, que eram designados pelo Diretor do Foro, se aprovados numa prova de habilitação, que poderiam substituir o titular (art.102).

Os Oficiais Distritais tinham as atribuições de Registro Civil e de Tabeliães de Notas (art. 145).

O art. 216 criou Tabelionatos e Ofícios de Registros Públicos em vários municípios, o art. 217 desanexou vários outros Ofícios, o art. 218 transformou o Ofício de São José do Norte num Ofício de Registros Públicos, o art. 219 desanexou vários Ofícios, “à medida que vagarem”, e o art. 220 extinguiu outros tantos.

O art. 221 determinou que fossem os Ofícios Extrajudiciais de algumas cidades, à medida que vagassem, fossem transformados em Ofícios de Registros Públicos ou Ofícios de Registros Especiais e o art. 224 alterou a denominação de vários Ofícios extrajudiciais.

O art. 236 facultou a remoção com “ascensão funcional”, para outra entrância, se no prazo de validade do concurso prestado para a entrância superior os candidatos fossem nomeados para cargo dessa entrância.

O art. 237 revalidou e prorrogou por mais um ano o prazo de validade dos concursos feitos entre 1973 e 1975, para o preenchimento de cargo do foro judicial e extrajudicial.

O art. 238 determinou que a “oficialização” do foro judicial seria implantada em 1977 (como que prevendo a Emenda Constitucional n.º 07/1977).

Os “trens da alegria” da Abertura Democrática

Em 1977, o art. 206 inserido pela Emenda Constitucional n.º 07 na Constituição de 1967 determinou a oficialização das “serventias” do foro judicial e extrajudicial, que seriam remunerados apenas pelos cofres públicos, e proibiu novas nomeações em caráter efetivo até a edição de Lei Complementar de iniciativa do Presidente da República, que versaria sobre a oficialização dessas “serventias”.

Entretanto, essa Lei Complementar nunca chegou a existir.

A Emenda Constitucional n.º 22/1982 restringiu a “oficialização” ao foro judicial (nova redação do art. 206).

Em relação às “Serventias Extrajudiciais”, afirmou ser obrigatório o Concurso Público, que já deveria ser de Provas e Títulos, conforme a redação dada ao art 207 da Constituição.

Entretanto, o art. 208 acrescido pela mesma Emenda trouxe sobrevida ao clientelismo e às aspirações de patrimonialismo, pois assegurou a efetivação, como titulares, dos “substitutos” “legalmente investidos” que contassem com cinco anos de exercício no final de 1983.

Como visto, transcorreram seis anos entre a proibição da nomeação de novos titulares em 1977 e a efetivação dos substitutos “legalmente investidos”, que contassem com cinco anos de exercício, no final de 1983, de modo que vários substitutos podem ter sido nomeados sem concurso público nesse interregno e depois sido favorecidos pelo “trem da alegria” que foi criado sem nenhuma justificativa aparente.

Caberia indagar qual seria o significado de “substitutos legalmente investidos”, pois, se a nomeação de novos titulares foi proibida em 1977, qualquer nomeação que tenha ocorrido até 1982 só pode ter sido precária, de modo que nunca houve “investidura”, menos ainda “legal”.

De qualquer modo, não havia razão válida para fazer exceção à regra do Concurso Público, exceto o voluntarismo bonapartista dos donos do poder naquela ocasião.

É bastante provável que essa “brecha” tenha sido aproveitada para “ajeitar a vida” dos “apadrinhados” dos poderosos de plantão, da mesma forma como faziam os “Grandes”, “Senhores de Terra” ou “Capitães do Brasil” quando agraciavam quem lhes tinha prestado bons serviços com mercês” semelhantes às que fazia o Rei, no Antigo Regime.

O COJE/1980 do Rio Grande do Sul

A Lei Estadual n. 7.356/1980 ainda vige no Rio Grande do Sul, embora com várias alterações.

Em 1982 foi alterada para que a divisão judiciária contemplasse os Distritos, Municípios, Comarcas e Comarcas Integradas.

O art. 92 define os servidores do foro extrajudicial, com a mesma nomenclatura anterior.

Os servidores extrajudiciais foram incluídos entre os serventuários (art. 99).

A redação original do art. 103 faz referência a uma "Lei de Oficialização das Serventias", mas não indica qual seria ela e a única referência a esse assunto que foi encontrada na internet é o próprio COJE/1980.

A redação do art. 103, I, dada pela Lei Estadual 8.136/1986, nunca foi revogada e trata dos Oficiais de Registros Públicos como “servidores do Foro Extrajudicial” “sob regime oficializado”.

Os Tabeliães e Oficiais Distritais foram os únicos mantidos “sob o regime privatizado de custas” (art. 103, II).

O art. 125 exige o concurso público para o provimento dos cargos, “obedecidos os critérios e exigências da lei”, mas o regramento do concurso deixou de ser feito no COJE, como acontecia até então.

Segundo consta do Pedido de Providências n.º 0003259-47.2011.2.00.0000, ao Conselho Nacional de Justiça, mesmo depois da Lei Complementar Estadual n.º 10.098/1994, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul continuava considerando vigente e aplicável o Estatuto dos Servidores Públicos do Judiciário, que constava do COJE/1966 (Lei Estadual n.º 5.256/1966).

Dessa forma, “os critérios e exigências da Lei” referidos no art. 125 deveriam ser os da Lei Estadual n.º 5.256/1966, que foi o último COJE aprovado por Lei Estadual antes do de 1980 (pois os de 1970 e de 1975 foram meras Resoluções do Tribunal de Justiça e não continham um "Estatuto dos Servidores Públicos do Judiciario").

O parágrafo único do art. 125, com redação dada pela Lei Estadual n. 8.136/1986, dispõe que as taxas e custas seriam recolhidas aos cofres do Estado, “salvante as custas devidas aos tabeliães e aos Oficiais Distritais e de Sede Municipal”.

Como visto, o Estado do Rio Grande do Sul ainda pretende ficar com toda a arrecadação dos Registros Públicos, com a única exceção das unidades com atribuição notarial.

Essa disposição ainda vigente na Lei Estadual, que foi aprovada na vigência da Emenda Constitucional n.º 22/1982, já era nitidamente inconstitucional na origem, e tampouco teria sido recepcionada por força do art. 236 da Constituição Federal de 1988, mas nunca foi alterada, em quase quarenta anos desde a sua aprovação (embora várias outras atualizações tenham sido feitas no COJE/RS, a última delas pela Lei Estadual 15.091/2018).

É difícil de imaginar uma explicação para esse fato, revelador da atecnia que impera na matéria.

Talvez tenha sido uma tentativa de influenciar a Assembleia Nacional Constituinte que tinha sido convocada pela Emenda Constitucional n.º 25/1985, para “oficializar” todos os Registros Públicos na Constituição Federal que naquela época já estava sendo elaborada, ou até que tenha havido alguma tentativa de “oficialização” que atraísse a incidência parcial do art. 32 do ADCT (como deve ter ocorrido na Bahia, onde se comenta que o sistema “oficializado” prestava os piores Serviços Notariais e de Registro do Brasil).

Ou talvez a oficialização ainda seja uma aspiração do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pois a alteração do Código de Organização Judiciária do Estado depende da iniciativa do Presidente do Tribunal de Justiça, nos termos do art. 95, V, da Constituição Estadual.

Essa última hipótese é corroborada por alguns fatos recentes e que adiante serão mais aprofundados, noutra parte deste estudo, relativos à tentativa de criação de uma segunda Taxa sobre os Serviços Notariais e de Registro, com nítido caráter confiscatório e intuito arrecadatório, além de vários outros problemas reconhecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, que até editou a Resolução n.º 609/2024, para prevenir a repetição desse tipo de problema.

Como visto, o autoritarismo facilmente degenera para a tirania e o "apadrinhado" de ontem pode se tornar o apaniguado de amanhã (para viver somente do pão e da água deixados à mesa pelo seu suserano) . 

O art. 146 da mesma Lei disciplinou as atribuições dos Oficiais Distritais, com atribuições notariais e de registro civil, mas foi vedada a prática de atos relacionados a disposições testamentárias.

O art. 147 determinou que na elevação de um Distrito à sede de Município o Oficial Distrital passaria a Oficial de Sede Municipal, com acréscimo das atribuições de Registros Especiais, salvo resolução em contrário do Conselho da Magistratura, que também poderia desdobrar o serviço em Registros Públicos e Tabelionato, com opção do titular pelo serviço de sua preferência (parágrafo único).

Os arts. 211 e ss. disciplinam as zonas de alguns cartórios extrajudiciais.

O art. 219 assim dispõe: “Nos casos de vacância, ficam estatizados os Cartórios Judiciais e os Ofícios de Registradores Públicos que ainda estiverem sujeitos ao regime de custas privatizadas, salvo, quanto a estes últimos, se houver provimento por remoção ou permuta.”

O art. 223 criou mais um “trem da alegria”, reiterado em 1982 e em 1989: “É facultado, durante o prazo de cinco anos, a contar da data desta lei, a remoção dos Escrivães, Oficiais Extrajudiciais, Oficiais Escreventes e Oficiais de Justiça de entrâncias inicial e intermediária para igual cargo em entrância superior, desde que o concurso a que se submeteram tenha abrangido a entrância superior respectiva”.

Conclusão

O exame dos regramentos nacional e do Rio Grande do Sul no período posterior a partir da Constituição Federal de 1937 revela vários retrocessos, progressivamente mais graves, até que o retorno do Concurso Público de Provas e Títulos como regra nacional e dotada de força constitucional, com a Emenda Constitucional n.º 22/1982.

Entretanto, mesmo com o retorno dessa exigência, que, como demonstrado na segunda parte deste Estudo, já existia desde 1851, ela veio acompanhada de "mais um trem da alegria", na nova redação dada ao art. 208.

A verdade é que cada reafirmação da regra do Concurso Público (quase sempre de Provas e Títulos) sempre é acompanhada de "mais um trem da alegria", com uma promessa implícita de que seria "a última vez" em que essa tradição seria admitida (mas ela sempre se repete).

Além do retrocesso coincidente com o período autoritário inaugurado com a Constituição Federal de 1937, chamou a atenção a quantidade de Códigos de Organização aprovados pelo Rio Grande do Sul, durante parte desse período: praticamente um a cada cinco anos.

Em cada um dos vários COJEs do Rio Grande do Sul houve "trens da alegria", alguns deles antes mesmo que fosse "escancarado" o Caudilhismo, pois o primeiro provimento dos ofícios então vagos ou que viessem a ser criados costumava ser feito por livre nomeação do Governador (vide o art. 200 da Lei Estadual n.º 10/1895) e a permuta já era admitida (art. 112), independente de concurso.

Conforme o tempo passou, entretanto, parece que os "freios e contrapesos" foram se tornando progressivamente menos eficazes, provavelmente porque não havia quem tivesse coragem de denunciar tal fato, nem no Parlamento, nem na Sociedade Civil, e então surgiram as remoções inicialmente dentro da mesma entrância e para a mesma especialidade, mas depois para a entrância superior (verdadeira "promoção"), conforme pode ser visto nas versões mais recentes do COJE - por exemplo, o art. 236 do COJE/1975, que não tinha mínimo respaldo no "Estatuto do Servidor Público do Judiciário" aprovado pela Lei Estadual n.º 5.256/1966.

Nessa época autoritária (década de 1970), também surgiram preocupantes traços de arbitrariedade no COJE/RS, que permitiu a rejeição dos candidatos em decisões irrecorríveis e até secretas (art. 209), com grave violação aos princípios da impessoalidade e da publicidade e transparência.

Além disso, a revalidação e a renovação dos prazos dos concursos já realizados, que permitiriam aproveitamento de candidatos já conhecidos e que tinham ficado mal classificados, era outra graveviolação à impessoalidade, pois os beneficiários da regra já eram conhecidos de antemão, assim como as suas consequências.

No final desse período, parece que todas as máscaras caíram e aconteceu uma verdadeira "corrida do ouro", tanto no nível federal quanto estadual, pois, além dos aproveitamentos, houve efetivações de substitutos e remoções com ascesão funcional (verdadeiras promoções) entre 1973 e 1975, entre 1977 e 1983, em 1982 a 1987, em 1988 e em 1989 a 1994, se somadas as "chances" criadas pela legislação nacional e pela legislação estadual do Rio Grande do Sul.

Em suma, uma vergonha para o Brasil e para o (muitas vezes exageradamente) orgulhoso povo gaúcho, na véspera do século XXI.